Dedos na carne
Navalhas
Vem
Vão
Desfazem os nós
Teus
Meus
Solidão que penetra
Ascendente
Se instala
Da carne vã
O sangue.
Partes
Que ficam
A outra?
Te busca na aurora.
Já não estou.
Está amanhecendo.
No rádio, músicas do corpo.
Do corpo, o cheiro.
Dele, saudades.
Até o despertar.
O amor, quando chega?
Daqui a pouco.
Talvez.
A solidão fere, mas fortalece.
Abre a porta (das salas)
Chega
Entre
Sai
Nas pernas (das conchas)
Chega
Entre
Sai
À noite
Melhor parte do dia.
Ele tinha nome de presidente americano*. Tinha 23 anos. Ouvia funk no fone. Daqueles proibidões, sabe. Morava com a mãe e a namorada na periferia da cidade. Aos 15, ganhou medalha pelo 1st lugar nas olímpiadas de matemática na escola. Em seu fone, funk. Aquele de quicar na latinha.
Tocava violino desde os sete. Seu predileto era Bach. Beethoven só de vez enquando. Aos 17, ficou em 3rd lugar na olímpiada de matemática do país. Seu pintor favorito era Monet. Gostava dos impressionistas. No trabalho, ouvia funk no fone.
Sonhava com os filhos que ainda não vieram. Queria uma vida digna e confortável para a família. Aos finais de semana, ia ao parque com o violino, para tocar ao ar livre. No trajeto, ouvia funk no fone.
Queria retomar a faculdade. Apesar da vida difícil na periferia, fez dois anos de medicina. Entre uma aula e outra, ouvia funk no fone.
Um cliente gringo entra na lanchonete. Ele o atende com um inglês fluente. Tinha sido professor de aula de reforço. Depois do atendimento, voltou para a chapa, colocou o fone. Funk no fone.
"Pera. Cara, você toca violino, fez medicina, ganhou uma penca de medalhas de matemática, fala bem inglês. Por que ouvir funk proibidão no fone?"
"Ah, velho. Mera questão social, saca."
*baseado, inteiramente, em um fato real.
No silêncio de minhas noites. A ausência do som de uma televisão ligada deixou de ser incômodo e passou a ser dia a dia. A casa volta a ser o que lhe é de origem, o refúgio para o descanso do corpo e da mente.
Acordo pelas manhãs frescas desse verão com a cortina semi aberta. Levanto e vou ao café. Eu o preparo. Ao finalizar, lavo a louça. Escovo os dentes para sair de casa e antes de dormir. Limpo o chão periodicamente. Aos sábados, é a vez da casa inteira.
As meninas, nossas felinas, passam a noite pulando felizes pelos cômodos que lhe são permitido transitar. Estão felizes com o silêncio. Os vizinhos quase não fazem barulho. E, de onde estou, não escuto aparelhos eletrônicos.
Estamos felizes assim. Com café, livros, um sofá aconchegante e sem novela.
Ai que saudades de voce.
Volte.
Quero um cafe bem forte.
Tardes de cafune.
Descansar debaixo de uma frondosa arvore.
Esquecer-me um pouco dos problemas.
Ah, tempo.
Volte para mim.
Sinto sua falta.
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Fotografias e textos por Yoko Teles