Capítulo Três

No canto sujo do apartamento sem luz
O apartamento de Fernando era realmente sujo e dividia, no corredor, vários escritórios de advogados e de lojas de bijuterias. A família Machado tem um nome bom a zelar. Todos advogados, pai, mãe e três irmãos. Fernando é o caçula e, indiscutivelmente, o mais frustrado. Formado em direito pela faculdade federal, o músico ganha a vida nos trocados dos bares no final de semana. A grana, que não é muita, serve para duas coisas oficiais e outras tantas. Uma delas é o pagamento do condominio e água, as outras coisas se resumem a cervejas, cigarros e outros psicotrópicos. O escritório dado pelo pai de presente de formatura, se transubstanciou. Agora é um quarto-sala-cozinha meio aberto e sem divisórias. Não há energia, não sobra dinheiro. Falta muita coisa por lá. Panelas, é um bom exemplo disso. Mas não há do que se queixar. Fernando continua a levar a vida como se a adolescencia nunca fosse embora. Algo preocupante para quem já bate as portas dos trinta e não está contente com a situação. Aprendera com o pai a gostar de música. Cada personagem da vida tem suas frustrações. O pai era músico quando jovem e adora o estilo de Crosby, Still, Nash e Young. O álbum Dejá Vú, fez sua adolescencia ser, no mínimo, excitante, por falta de palavra melhor. Woodstock e Carry On, embalavam o sono de Fernando quando ele era um pequeno bebê naquele ano de setenta e cinco. E agora que os trinta estava claro no rádio de pilha velho que só tinha um toca-fitas, Fernando só ouvia uma só gravação no velho tape que o pai lhe dera quando a música começara a significar algo para o rapaz. Tranquila e emocionante em suas nuances. Bom era acender um tabaco e sentir fluir do corpo a essencia que a música lhe proporcionava. Mas últimamente CSNY só lhe traziam lembranças de âne. O homem ficou bastante contente em ajudar a amiga no momento de infortúnio que ela sofria. Mas também lhe preocupava pela falta de animo para com a vida. A dele, também, era sofrida, mas não importava muito. Ele tinha a música para guia-lo nos momentos difícios. Mas e ângela? Isto o angustiava. Os meses passavam rápido naquele apartamento, as roupas acumulavam para lavar, o dinheiro não sustentava mais nem o consumo das velas, única fonte de energia da casa. E com isso as brigas. Todos os dias, ele dizia como um mantra em declaração a amiga querida:"Garota, você não pode passar a vida inteira sentada nas almofadas das angustias e esquecer que o dia está bonito, e a noite sempre tras bons presságios! Levante! AGORA!". Mas âne nao reagia. Não tinha vontade. Não queria. E somente a música embalava os pesadelos em que eles viviam. Num apartamento-ex-escritório-sujo no centro da cidade.