Capítulo Dois

A esmo, ou o relato de ângela em primeira pessoa, antes do prédio
"Estive caminhando pela cidade. Meio grogue meio alta, sem saber ainda porque diacho havia parado naquele bar e tomado aquela cerva. Não, isso não é um momento de arrependimento, só frustração por ter esquecido como tudo começou. E por falar nisso, vamos ao relato: imagine a cena. Garota alta, vinte e oito anos, porte de modelo do zimbabue, desempregada, trajando apenas chinelas gastas, um pano que um dia muito distante foi chamado de calça jeans e camiseta preta, preta. O que uma pessoa como essa faria num bar em plena terça-feira? Bom, neste caso, a desilusao de ter perdido emprego e 'casa' ao mesmo tempo havia me levado a tomar uma(s) dose lá no butequim do Seu Geraldo. Comecei cedo ainda, nao eram nem dez da noite quando Fernando me chamou para conversar. Ele percebera a constatação do óbvio que minha face apresentava no momento. E resolveu me ajudar. "O que foi minha pequena?". Comecei falando do desemprego imediato. Trabalhei na loja da martinha a minha vida toda. Nem sei direito como e quando comecei lá. Mas faz muito tempo. Acho que ainda estava no colégio quando aconteceu. Lá eu vendia de tudo, desde de peças de lã para confecção de tecelagens a cds piratas de bandas que nao falam a minha lingua. A notícia veio logo cedinho. Martinha olhou para mim e disse sem dó: "âne, não dá mais. Sei que você é eficiente, mas vou fechar a loja". Perguntei a razão e ela disse com um belo sorriso no rosto: "Tô voltando pra minas. Minha mae morreu e me deixou uma bolada. A loja tá fechada e já vendi para o tal empresário do prédio grande. Ele vai transformar o espaço em um edifício de escritórios." 'Me encontro aqui, agora, neste exato momento, sem logradouro, sem comida, sem dinheiro, sem trabalho, sem perspectiva. Tudo bem, nunca tive perspectiva mesmo. Tava resignada em passar o resto da minha vida vendendo quinquilharias numa loja de quinta, mesmo'. Mas Fernando desacreditava na história da garota. Mesmo sem um lugar para ir, ele deveria ajudá-la também. Caso ela recusasse a oferta de morar no apê sujo que ele chamava de lar, não custava tentar chamá-la. E foi o que aconteceu. Depois daquela bebedeira, o casal pegou as trouxinha de roupas e pertences de ângela na lojinha de Martinha e não decidiram mais o que fazer dali por diante. E durante muito tempo foi a esmo que ela viveu.