Amor de Açougue

Não é comum. Nunca pareceu. Pode até parecer paródia daquela música da legião. Aliás, tudo aqui é meio parecido com aquelas canções, mas não vem ao caso. O caso é que hoje pela manhã, minha mãe pediu-me que fosse ao açougue. Coisa que eu não costumo fazer é ir as compras para a minha querida mãe. Mas eu não to fazendo nada mesmo. E por falar em nada, hoje é sábado. E enquanto o mundo sai pra se divertir, eu fui comprar a tal da carne. Era coxão mole fatiado em bife. Como se fizesse alguma diferença, já que eu não entendo muito de carne. Se bem que bife é bem gostoso, depois de pronto. Enfim...

Voltando ao assunto da casa de carnes, estava eu lá, impaciente na fila. Não gosto de filas. Havia acabado de fugir de uma no hipermercado desta localidade. Muita gente num mesmo lugar não funciona. É como ir ao Beirute e ficar duas horas procurando mesas e vendo pessoas felizes se pegarem. Não gosto, nem de procurar mesa e nem de ver pessoas felizes.

Tinha um freezer da coca-cola lá na casa de carnes. E tava muito quente, o que aumentou exponencialmente a minha aflição pela fila. “- Coxão mole em bife é melhor que alcatara?”, pergunta uma senhora, que não sabia de nada. Tudo bem, eu também não sei de muita coisa mesmo. Pra começar, era a primeira vez que eu ia comprar carne sem o auxilio fiel de minha mãe. Não é minha função por aqui. Só sou uma moradora desta casa. Mas já que é pra ajudar, tem de ser aos poucos.

Fiz cara de quem nasceu cortando carne e respondi que o melhor mesmo era picanha. Ai ai, picanha suculenta e com a gordura pingando sangue. Ê trem bão! Mas isso eu só imaginei. Voltei logo em seguida para meu posto na fila, quando o rapaz do açougue chama pelo próximo. Fui em direção a ele, que me encara e dá logo o seu bom dia. “- Oi moça! O que vai querer?”

Bem, eu queria ir a faculdade, ter um emprego bacana e ir viajar. Mas me contentei com o pouco que tenho. “- Um quilo e meio de coxão mole em bife, por favor

“- É pra já.”, ele disse, enquanto eu me perguntava qual o motivo de tamanha felicidade.

Ainda era sábado quente lá fora. O pequeno centro da cidade estava lotado de pessoas, indo pra lá, indo pra cá. Deu tempo de ver uma criança quase ser atropelada, a velhinha que me perguntara ainda estava se decidindo, e enfim a espera acabou. Gente quando quer trabalhar é assim, faz o serviço rápido pra poder bater papo. E logo o diálogo surgiu.

“- Deu um quilo e quinhentas e sessenta gramas. É isso mesmo, moça?”

Sim, sim. Pode ser. Sei não, e se o dinheiro não der? Minha mãe além de me matar vai dizer que to roubando as moedinhas dela. Ai ai, será que é isso mesmo? Depois de um longo momento de dúvida (que não deve ter ultrapassado os três segundos habituais), confirmei. O mais encantado de tudo foi o sorriso generoso que o rapaz do açougue deu em resposta.

O dia parecia ter parado. Que olhos verdes você têm, seu moço! Não havia percebido que o tempo parava aos poucos. E que cada segundo se apresentava uma eternidade.

No meio tempo, me imaginei casada, velha e com um bando de meninos. O pai trazendo a carne fresca do açougue e sorrindo feliz por ter uma família tão perfeita. A música do Renato então começou a tocar... “Ela me disse que trabalha no correio, e que namora um menino eletricista...”.

Estranho, por um segundo fui lá lonjão pensar em como tudo poderia ser diferente. E voltei à realidade. Paguei o preço justo do coxão mole e dirigi até em casa.

Meu irmão me olhou com uma cara de assustado. Sem querer, pareceu que eu estava suspirando e olhando aquele pedaço de carne, que mais tarde ficaria suculento no meu prato.

“Que foi, Tâmara?”

Nada, nada não... E continuei a sorrir. Euzinha, que tenho nome de fruta, ainda não sabia que comprar carne poderia ser tão reconfortante.