Subsolo

Quartos de hotel são iguais, dias são iguais,, os aviões são iguais, meninas iguais, não há muito o que falar sobre o dia, não há do que reclamar, tudo caminha. As horas passam devagar, no ônibus de linha...

(Brasília -Paralamas do Sucesso)

"Mais uma noite”, ele repetia. “Só mais uma e largo esse emprego. Esta terça-feira está me cansando, rapá”. E não era para menos. Dois clientes entram para mudar o início do trabalho. Dentro da taberna haviam várias mesas compridas e uma em especial foi preenchida por dois amigos. O primeiro deles parecia um sargento reformado. O outro era comum, assim como tantos clientes que entram e saem do local. Menos às terças, quando o bar era mais parado.

Róger já imaginava que a noite iria durar anos. Menos trabalho para fazer, mais tempo para gastar. Entre uma preparação de um nárguile de menta e um copo de coca-cola, o jovem pensava cada vez mais nas impossibilidades de rumos que sua vida tomara. Saíra da aeronáutica tinha pouco mais de cinco meses, e a grana estava curta. Precisava de um trampo ou iria penar bastante. Tinha um gato para alimentar, e o preço da ração havia subido o suficiente, nos últimos meses, para o deixar preocupado. Castanho era a companhia ideal para um fim de expediente. Moravam apenas os dois em um quarto-sala na mesma quadra da Taberna em que trabalhava. Mas a cama estava distante no momento, a noite estava apenas começando.

Sentado no banco dentro do bar, localizado no meio da casa noturna, Róger tecia novas idéias que, provavelmente, o levariam ao fracasso, mas não custava nada levá-las um pouco adiante. O cara parecido com o sargento pede o drink, e não parece querer parar com a bebida por um bom tempo. “Que bom”, pensa, assim a noite fica mais agradável com algo para se fazer. A bebida é azul, servida em taça de prata, contém curaçal blue, vodca, sprite e gelo. “Pra começar a noite! Acho que vou repetir muito isso, por hora”.

Pouco tempo depois desce a escada uma bela jovem de sapatinha vermelha, vestido acetinado e um rubor na face. “Hoje não, Róger!”, pensa consigo mesmo, “hoje é dia de branco trabalhar”. A moça pede uma bebida adocicado ao barman, uma mistura de leite condensado, leite de coco e rum, mas que pediu educadamente para trocar por vodca. Não era norma da casa trocar as doses dos drinks, mas o sorriso terno da garota fez o rapaz fazer uma exceção. A chefia está em reunião mesmo...

Novas pessoas adentram a taberna. Uns mais alegres por conta da cerveja adquirida no andar superior do estabelecimento. Outros aparentam certa timidez e um ar estasiado direcionado aos ornamentos das paredes. O lugar parecia que havia parado no tempo das grandes cruzadas templárias, com brasões, espadas e velas por toda a parte. Esta noite não tem show, e a música ambiente está calma de mais. “Está na hora de animar”. Róger grita por Tâmara, outra garçonete da casa, e a arrasta para uma dança. A clientela empolga com a farra, mas não o suficiente para uma nova pedida no cardápio. As horas passam devagar, enquanto eu abro a água fria...

A labuta termina pouco mais de meia noite e meia. A moça de sapatilha vermelha encerra a última comanda. Além do drink, resolvera experimentar as coxinhas assadas. O molho estava bom, apimentado como de costume. Ao dar baixa no último pedido, um convite se acerta e a certeza de mais uma semana de trabalho. Afinal não era tão ruim assim servir mesas. Um sorriso maroto no canto dos lábios do rapaz. Um rubor de face na moça. A cama seria dividida esta madrugada. E não seria por Castanho. Não mesmo.