Todas as vozes

Era pequena. Falava de mais. Eu disse demais mesmo! Uma menina alegre, que tinha cara de tédio e jeito de moleque. Por onde andava era a sensação. Vivia fazendo peripécias divertidas com qualquer pessoa que encontrasse. Mas, em toda a história, sempre aparece aquela frase sentenciada que muda o rumo dos acontecimentos. E com a Pequena não foi diferente.

Estava calor e era verão. Não que o verão tenha algum efeito sobre o calor, e que o calor faça a estação mudar para o verão... Não é sobre isso. É sobre aquilo que aconteceu com ela. Voltavam da praia, Pequena devia ter uns... nove anos, acho. O sol estava lá no centro. Pequena parou no meio da travessia. O pai ficou um pouco assustado, afinal Pequena era sapeca e não parava nun-ca. Então resolveu perguntar.

"- o que foi minha querida?"

Não houve resposta. A menina que adora falar estava quieta. Como se dormisse acordada. Poucos segundos se passaram e logo Pequena volta a realidade.

"- Nada, não."

A mulher Adulta estava assistindo uma aula provocativa. As pessoas achavam estranho aquela mulher com um olhar tão irriquieto, tão transformador e nada comunicativo. A mulher era calada, quase muda. Só abria a boca quando era necessário. Ok, as vezes ela se fazia presente através de seus gestos e movimentos que, na maioria do tempo, eram de reprovação. Costumava encarar a tudo e a todos com certa seriedade. Mas seria sincero?

Adulta não tinha filhos. Não namorava. Não se divertia. Passava a maior parte de seu tempo resmungando. Chateada com o trabalho que encontrou. Com a casa onde morava. Com a família que tinha. Tinha tanto o que falar, mas nunca encontrava alguém para se abrir. Era uma porta sem chaves.

Certo dia, crente que abafava, criou uma situação constrangedora. Estava na aula provocante, quando seu professor contava um causo. Estranho, mas acho que isso é muito parecido com o que ela representava. O causo era o seguinte: o professor disse que conhecia uma pessoa que o incomodava. Sempre tentava fazer com que a pessoa correspondesse de forma mais expressiva seus comentários. Certa vez, resolveu observá-lo. E então chegou a conclusão que este era o jeito de ser dela.

A mulher não gostou. Achou mais que provocativa a aula. Então lembrou-se de Pequena e do dia em que viu o sol. As pessoas viviam reclamando que ela não se calava. E numa dessas, pequena resolveu guardar todas as perguntas, todos os pensamentos, todas as virgulas só para ela. Nesse dia, perdeu sua voz interior. Do outro lado ficou só a falta de expressividade. Ou seja, ficou... entediante.

No arfã de recuperar o tempo perdido, adulta resolveu voltar a falar. Foi como se estivesse enferrujada. A voz demorou pra sair. Lenta, grosseira, suja de catarro. (posso falar catarro aqui?). As pessoas deixaram de reconhecer o tédio em suas ações. E passaram a enjoar-se. Falar de mais cansa. Cansa tão quanto ficar calado.

Então, como todo o final de estória, Adulta e Pequena aprenderam a lição. Ou parte dela... Talvez, nem tenham aprendido nada e eu que sou esperançosa demais, de mais, para pensar positivamente. Mas aconteceu... perdemos todos. Da voz, fico-se o fio. E não houveram mais manhã para se cantar.