Funk no fone

Ele tinha nome de presidente americano*. Tinha 23 anos. Ouvia funk no fone. Daqueles proibidões, sabe. Morava com a mãe e a namorada na periferia da cidade. Aos 15, ganhou medalha pelo 1st lugar nas olímpiadas de matemática na escola. Em seu fone, funk. Aquele de quicar na latinha.

Tocava violino desde os sete. Seu predileto era Bach. Beethoven só de vez enquando. Aos 17, ficou em 3rd lugar na olímpiada de matemática do país. Seu pintor favorito era Monet. Gostava dos impressionistas. No trabalho, ouvia funk no fone.

Sonhava com os filhos que ainda não vieram. Queria uma vida digna e confortável para a família. Aos finais de semana, ia ao parque com o violino, para tocar ao ar livre. No trajeto, ouvia funk no fone.

Queria retomar a faculdade. Apesar da vida difícil na periferia, fez dois anos de medicina. Entre uma aula e outra, ouvia funk no fone.

Um cliente gringo entra na lanchonete. Ele o atende com um inglês fluente. Tinha sido professor de aula de reforço. Depois do atendimento, voltou para a chapa, colocou o fone. Funk no fone.

"Pera. Cara, você toca violino, fez medicina, ganhou uma penca de medalhas de matemática, fala bem inglês. Por que ouvir funk proibidão no fone?"

"Ah, velho. Mera questão social, saca."

*baseado, inteiramente, em um fato real.