Um estampido e a escuridão

Ainda presa sobre a égide da preguiça, decide forçar a porta, não se vê nada por ali. As amplas salas, quartos, cozinha e quatro banheiros iluminados pela luz turva que lembra os sonhos. Alaranjada, talvez sépia. As janelas estão abertas. Das cortinas, um rastro. Indesejavelmente, algo escorre das paredes indo de encontro ao assoalho, lembram símbolos. Algumas frestas se espalham por ali. Desolador. Talvez passividade.

Passando pelo jardim, vê-se a escada. Espiralada. Vazada. Faltando dois degraus. Sinais de sujeira, exposta ao tempo e ao desengano, vão formando um caminho sinalizado, como nas antigas fábulas infantis. Há vida lá em cima. Há? Um, dois, três, pule um degrau, quatro, cinco, seis, sete, fôlego, oito, nove, dez, expectativa, onze, doze, treze, quatorze, pula outro degrau, quinze. No topo, lado esquerdo da cena, nota-se uma grande estátua. Um hipogrifo antigo lapidado em madeira nobre. Um aviso guarda os pés da imagem. A intuição aguça, como um gato, os pelos do corpo se eriçam. O silêncio é interrompido pela frenética sensação do inesperado. A sala, clara como a noite mais iluminada, esvazia-se abruptamente. Escravo dos sentidos, resta ignorar a presença da audição. Chega. Enfim... Uma única lembrança é o resquício do entre-sonhos. "Não posso mover meus passos por esse atroz labirinto".

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Texto feito sob encomenda para a Seção - II Concurso Literário - da Piauí (Junho), mas perdi a data de inscrição...