No balanço do trem, um tal de vai e vem

7:28 am, manhã de terça-feira. Mês? Novembro. Ano: 2007. O corre-corre começa na escada. Anísio tem setenta anos e apronta-se bem mais rápido que um jovem de vinte. Tenta se barbear bem (em vão) e lavar-se o mais depressa possível. Talvez dê tempo. Talvez.
O despertador toca desde às seis e meia, mas Patrícia está atrasada novamente. De dez em dez minutinhos se deixa levar pelos cobertores e travesseiros sem se preocupar precocemente com o horário. Sua mãe se pergunta toda manhã, "Será que vai dar tempo?" Vai sim.
Charles é bem organizado. Levanta junto com as galinhas que a mãe cria no quintal de casa, na Samambaia Sul. Tudo para dar tempo de se organizar metódicamente para o escritório no Ministério do Planejamento. Ele é mais um entre tantas mesas e dezenas de pápeis. Às seis e quinze já está barbeado, o terno passado e o sapato tão lustrado que parece mais um espelho no pé. Tudo bem. Sempre chega na estação do metrô às sete e dez.

Ao toque do sinal, semi-acordados, sonâmbulos, trabalhadores do dia inteiro se preparam para a disputa acirrada por um lugar para sentar-se. E muitas vezes nem dá tempo de pegar um espaço em pé.

Tâmara sai correndo ao escutar o toque. Em sua mente os pensamentos voam como folhas secas no outono. Atravessa as escadas de um pulo só, passa pelo guichê e chega ao segundo andar de escadas. A porta ainda está aberta. "Será que eles esperam?" Aaah, sim. Antes do último toque, onde as portas se fecham, Tâmara já está dentro do vagão, sorrindo feito boba por ter conseguido finalizar a sua façanha. Bem, é um começo.

A cada estação, o número de pessoas aumenta exponencialmente. Os vagões ficam cada vez mais apertados. Sem espaço para olhar pela janela, enquanto os trinta minutos de viagem não passam, as pessoas buscam alternativas para não ter de olhar umas para as outras. Afinal, tem outro lugar para olhar? O constrangimento eleva-se em proporções ainda não explicadas. Charles, com auto-controle e domínio de si, se mantem absorto a isso. Mario Prata o mantém na linha com as crônicas do dia a dia. "Meu primeiro livro de crônicas será como este!" O engravatado quer ser escritor. E nem se espanta ao olhar para o lado esquerdo. Mas Tâmara sim! Lá tem um problema 'visualístico'.
Patrícia ainda mora com a mãe na nove do Guará I. Já passou dos trinta, mas ainda não aprendeu a se manter. O gosto para roupas é sinal, além de ser um 'pouco' duvidoso. Ela trabalhar o dia inteiro e estuda num cursinho pra concursos a noite. Não dá tempo para pensar em firulas, roupas e acessórios. Mas... Saia preta com godê longa, blusa de crochê com gola roxa, bolsa marrom e sandália branca rasteirinha não é considerado um figurino adequado para o trabalho.

"Ainda bem que existem uniformes!" Pensa rapidamente Tâmara (a observadora do trem!), rindo e olhando de relance para a janela. "Tem tanta gente aqui..." Um homem jovem, mulato e com uma cicatriz enorme do canto esquerdo da boca até as bochechas. "Será que foi por acidente, ou ele trabalha como assaltante de aluguel?" Um menino, que não deve ter nem treze anos, escorado na porta e escutando música no aparelho digital. "Nossa, já é tão popular assim ter um mp3, credo..."

Mas não tem tanto tempo assim para pensar. Sentado no assento destinado aos idosos, Anísio faz as contas de quanto vai receber. Trezentos reais não faz mais parte de sua realidade financeira. Os descontos com o financiamento que fez para o termino da construção já levam mais da metade da aposentadoria por tempo de serviço. Olhando para o teto, o senhor deixa a mente seguir com o balanço do trem. Nada muito abrubto. Um balançar que chega a ser até suave. Um vai e vem que embala. Leva alunos à escola, trabalhadores ao trabalho e uma pessoa e outra a seu destino.

O toque é dado. Chega a última estação: a Central. Todos os passageiros são convidados a descer pelo gentil condutor. Uns vão para seus destinos, logo ali, no centro da cidade cinza. Enquanto outros pulam correndo as escadas do metrô em direção as escadas da Rodoviária. Sobe uma plataforma, percorre o corredor abarrotado de tantas outras 'gentes'. "Ainda dá tempo de pegar o ônibus..." Será que dá?