Como a brisa do mar

Marina era perfumada. Cheia de cheiro e dengo. Estava saindo da perfumaria, sua loja predileta. Ia comprar um kit de natal, daqueles que vem perfume, emulsão e sabonete. Não era pra ela, mas enfim. Teve de ir, e foi. Tudo deu 123 reais e sessenta centavos. Barato até para um kit. E o cheiro era bom.

A moça era viciada em cheiros. De planta, de chá pronto na mesa. Cheiro do café preto de manhãzinha. O da chuva quando vem e molha a terra. E o das pessoas. Gosta tanto de sentí-las. Um cheiro manso, aquele que não é forte e nem fraco. Um mais ou menos que mexe com os sentidos. Fazem os pés flutuarem e os olhos irem em encontro aos céus. Uma mania que chega a ser perseguição.

Saía da loja, estava com os olhos no chão. Distraídamente, tentando não tropeçar nos pés tortos. Aí veio um pneu. Em seguida o barulho. Capoft. Não deu para entender o que estava acontecendo. Veio uma vermelhidão. Um bate-bate que gritava no peito que quase fez Marina morrer. É melhor se conter.

Roberto, era roberto por causa do cantor. A mãe adorava cantarolar O broto do Jacaré, quando trocava a suas fraudas. O primeiro grande presente de natal que recebeu na vida, aconteceu quando o menino tinha treze anos. Mas porque treze? Nem a mãe dele sabia responder. Na caixa tinha roda, guidon, aro e marcha. Era só desempacotar e montar. E iria dar um trabalhão.

A mãe de Roberto não tinha muito dinheiro. Preferiu deixar o filho sem presentes durante três natais e aniversários para economizar. Queria agradar o filho que tanto a ajudava. E o presente também poderia ser usado para as entregas da banca de revista da família. Foi assim que há quase nove anos Roberto ganhou sua primeira bicicleta. E única também.

Já era meio tarde, quando Roberto saiu da banca para a última entrega do dia. Dona Mercedes queria a sua revista de fofoca o mais rápido possível, para por as quentinhas em dia com as colegas de manicure. O rapaz não pensou duas vezes, quando a velha senhora lhe entregou a gorjeta e dois beijinhos no rosto. Ele a achava feioza e horrenda, mas era a única que pagava gorjetas. E saísse correndo, daria tempo de uma partida no fliperama antes da mãe se dar conta da falta do menino.

E correndo foi Roberto, pelas ruas calmas de Sobradinho. O dia estava calmo, com uma intensidade pairando no ar. Mas... Cuidado! Ao subir na calçada, nem viu que estava muito perto de uma moça. A tal, estava distraída em devaneios. Nem deu tempo de frear. Danou-se. Um acidente de transito em plena calçada. Mas nem foi nada.

Segundos se passaram entre o rápido olhar que ambos ofereceram. Raíva, consternação, chateação ou algo parecido. Tudo se dissipou e a neblina limpou o céu, que começou a brilhar azul, azulinho. Era primavera. O cheiro era mágico. A brisa, como uma menina atrevida, percorreu o corpo de um para o outro. Marina o sentiu. Foram só sete segundos. Deu para Roberto contar cada um deles. E... acabou.

A encruzilhada se desfez. Cada um seguiu seu caminho. Ela, em direção a casa, e ele para a banca. Já não dava tempo de jogar mais. Mas pelo visto os pensamentos dele já não estavam mais aí para jogos... Estavam para a moça dos cheiros. E que nem sabia se chamar Marina.